Conto – A mulher que desapareceu na noite de nevoeiro
- M.S.Vieira
- 30 de jul.
- 2 min de leitura

Durante o dia, ninguém repara muito em Clara. Talvez por isso o desaparecimento tenha demorado tanto a ser notado.
Morava sozinha num anexo reformado nos fundos da casa da tia, perto da curva onde o nevoeiro costuma nascer. Dava aulas de desenho para crianças da vila, não era de falar muito. Era uma dessas pessoas que parecem sempre meio de passagem, mesmo que nunca tenham saído de onde estão.
Naquela noite, a vila mergulhou num nevoeiro espesso. Começou por volta das dez. Às onze, o campo em frente à casa dela já estava invisível. À meia-noite, a luz da varanda ainda estava acesa. Às três, apagou-se.
Na manhã seguinte, a cama estava feita. Os sapatos estavam no lugar. As janelas trancadas por dentro. Nenhum sinal de luta. Nenhuma carta. Nenhuma despedida.
Chamaram a polícia. Fizeram buscas. Vasculharam o rio, os campos, as ruínas antigas. Nada. Nenhuma pegada. Nenhuma pista.
A vila voltou lentamente à sua rotina. O assunto virou cochicho. A tia evitava perguntas. As crianças pararam de desenhar.
Mas havia detalhes estranhos.
Dias antes do desaparecimento, Clara dissera à menina mais velha da turma que “alguém a seguia”. A menina contou para a mãe, que achou exagero. Uma vizinha jurava ter visto uma figura parada junto à cerca, numa das noites anteriores — alta, imóvel, como se observasse a casa. Um homem, talvez. Ou só o vento brincando com as árvores.
Outros diziam que Clara andava diferente nas últimas semanas. Distraída. Escrevendo em folhas soltas que ninguém encontrou. Com olheiras. Com medo.
Mas ninguém sabia de quê.
O que sobrou foi um vazio. Um nome repetido baixinho. Um quarto limpo demais. E o silêncio grosso de uma vila pequena, onde nada acontece — até acontecer.
Algumas noites, quando o nevoeiro volta mais denso que o normal, as luzes da varanda dela piscam, mesmo sem ninguém por perto. E então alguém lembra: Clara nunca trancava por dentro.
Há desaparecimentos que ficam. Não porque não foram resolvidos — mas porque nunca fizeram sentido.
Já tiveste a sensação de que alguém sumiu de propósito, não para fugir dos outros, mas para desaparecer de si?
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